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quarta-feira, 4 de março de 2009

O enigma chamado “Liderança”

Patrícia Bispo – RH.com.br

Evolução. Essa palavra tem sido citada constantemente nos mais variados canais de comunicação, nos centros acadêmicos e, como não poderia ser exceção, também tem sido amplamente utilizada no ambiente corporativo. Afinal, cada vez mais as informações chegam às empresas e conseqüentemente aos profissionais em uma velocidade que assustam. E quem não se adapta a esse mundo de constante transformação, torna-se um forte candidato a ficar à margem da concorrência e perder espaço no mercado.

Contudo, essa mesma evolução logicamente exige adaptações tanto das empresas quanto dos profissionais. Mas será que esse processo ocorre naturalmente, sem que haja necessidade da presença de determinados "atores" que ajudarão a conduzir esse "espetáculo mutante"? Obviamente que a resposta é negativa. Para que as mudanças sejam assimiladas corretamente pela empresas, torna-se necessária a presença do líder - aquele que ajudará os colaboradores a formarem equipes eficazes e que atendam às necessidades do negócio.

Para César Souza, consultor organizacional e especialista no desenvolvimento de líderes - ainda existem conceitos antigos que são utilizados pelas organizações no que se refere à atuação das lideranças. "Liderança não é cargo, nem posição social, nem uma coisa de uns poucos privilegiados. Não é coisa de visionários, como a literatura quer nos fazer acreditar. O líder deve ter conteúdo, pois 'saco vazio não fica em pé muito tempo'. Líder também não nasce pronto. Não existe DNA de líder", afirma. Em entrevista concedida ao RH.com.br, César aborda questões sobre o papel da liderança e quais os impactos que a nova geração de líderes causará às organizações. Confira a entrevista na íntegra e compartilhe o conteúdo dessa publicação com seus gestores e os demais colaboradores!

RH.COM.BR - O conceito de liderança passou por várias evoluções e continua em constante processo de mudança. Em sua opinião, qual a transformação mais acentuada que envolveu as lideranças no ambiente organizacional brasileiro nos últimos dez anos?

César Souza - Infelizmente, poucas mudanças. O paradigma continua o mesmo. Os conceitos são antigos. Ainda se fala em liderança como sinônimo de carisma, liderança como sendo cargo. Pouco evoluiu. Temos que mudar nossa forma de pensar e de exercer a liderança. Liderança não é cargo, nem posição social, nem uma coisa de uns poucos privilegiados. Não é coisa de visionários, como a literatura quer nos fazer acreditar. Liderança tampouco é sinônimo de carisma. Se uma pessoa tem carisma ótimo, pois ajuda a sua liderança. Mas se o seu grau de carisma é baixo, ótimo também. O líder tem de ter conteúdo, pois "saco vazio não fica em pé muito tempo". Líder também não nasce pronto. Não existe DNA de líder. A gente não nasce líder, a pessoa aprende a ser líder. Infelizmente, os exemplos de líderes que temos tido, de vários políticos e de vários presidentes de empresas, são os piores possíveis. As mudanças positivas que vejo estão relacionadas a pessoas que inspiram os outros pelo exemplo, como Ulisses Tapajós - presidente da Masa da Amazônia é um deles -, em vez de tentar inspirar apenas pela hierarquia ou pelo carisma. Lamentavelmente, formamos lideres para uma realidade que já não existe mais.

RH - Essa mesmice no que se refere às lideranças está presente apenas no Brasil ou é uma tendência mundial?

César Souza - A mesmice continua no mundo todo. O James Hunter introduziu a noção do Líder Servidor, que é uma boa idéia. Antes dela a última tinha sido o conceito de Liderança Situacional, da década de 80. O conceito de liderança tal qual o conhecemos hoje está com os dias contados. Por isso, procuro no meu livro "Você é o Líder da Sua Vida" desmistificar algumas idéias arcaicas e preconceituosas sobre a liderança e apresentar a idéia do Líder Inspirador. Ou seja, aqueles que oferecem uma causa, em vez de apenas metas e tarefas; formam outros lideres, em vez e apenas seguidores; surpreendem pelos resultados, em vez de apenas fazer o combinado; inspiram pelos valores, em vez de apenas pela hierarquia. Uma mudança positiva que vejo é a ascensão das mulheres em posições de liderança nas empresas. Infelizmente, no campo político os exemplos não são muito bons. Mas nas empresas, sim. A Liderança Feminina é algo inovador e positivo.

RH - Quais as competências que mais dificultam os líderes de obterem uma performance mais destacada?

César Souza - É pensar que líder forma seguidores. Isso precisa ser mudado. O verdadeiro líder forma outros líderes. Essa é a competência mais difícil de ter para que as lideranças exerçam papel mais destacado. A outra competência que falta é a capacidade do líder de oferecer causas, oferecer um significado para as pessoas, algo que transcende as metas, a tarefa, o job description, o dia-a-dia das pessoas. Salvo raras exceções, os líderes não sabem oferecer causas nem formar outros líderes. Líderes precisam aprender a ouvir mais, a dar e receber feedback. Precisam também aprender a ter maior equilíbrio nas diversas dimensões de sua vida. Na adianta ter sucesso apenas em sua vida profissional e liderar bem no trabalho. Precisam aprender a liderar em casa, na família, na comunidade e onde vivem. Necessitam aprender uma competência básica: aprender a liderar a si mesmos antes de pretender liderar os outros.

RH - Que competências podem ser desenvolvidas pelos líderes através do autodesenvolvimento?

César Souza - Várias, pois liderança não é uma questão técnica e sim uma questão de atitude. Assim, cada pessoa pode desenvolver suas atitudes para ser um líder melhor. Nesse contexto, destaco: autodeterminação e perseverança; inspirar as pessoas pelos valores; fazer mais que o combinado; buscar parcerias; cuidar do todo e não apenas das partes; ter foco; dar o exemplo; ter coerência 24 horas por dia; humildade, deixar de lado a arrogância típica de vários pretensos líderes e usar a criatividade para se reinventar sempre. Essas são as dez atitudes que permitem autodesenvolvimento.

RH - O que é indispensável ao desenvolvimento de um líder nesse momento de extrema globalização?

César Souza - Integridade é a competência mais indispensável para um líder, quer seja em casa, no mercado local ou no mundo globalizado. Além disso, o líder globalizado precisa saber lidar com a ambigüidade, compartilhar decisões com pessoas de outras culturas e aprender a ter flexibilidade cultural e capacidade de aprender todos os dias, pois o mundo globalizado é dinâmico e exige muita flexibilidade de adaptação às circunstancias adversas e diversas do ponto de vista religioso, estético, filosófico, ideológico. Executar um trabalho na Turquia ou participar de um projeto na China exige muito mais que saber liderar aqui no Brasil em circunstâncias conhecidas.

RH - Ser líder é uma responsabilidade para poucos?

César Souza - Não, essa é uma visão elitista da liderança. Ser líder não é ocupar um cargo, nem ser privilegiado, visionário. Líder é responsabilidade de todos os seres humanos que precisam descobrir o líder que tem dentro de si. Cada um de nós é líder em alguma circunstância em nossa vida. Se não for na empresa, somos líderes em casa, no prédio onde moramos. Liderar é a arte de influenciar pessoas. Essa é a definição ao mesmo tempo mais antiga e mais moderna sobre liderança.

RH - A tecnologia exerce efeitos diretos na atuação dos gestores atuais?

César Souza - Sim, porque cada vez mais a tecnologia influencia produtos, serviços e processos. Mas na liderança, o mais importante não é o high tech, e sim o high touch. Ou seja, quanto maior a sofisticação da tecnologia, maior será a necessidade do contacto humano. A tecnologia não substituirá o calor humano tão necessário na liderança eficaz.

RH - Quais serão os valores da próxima geração de líderes?

César Souza - Cada um assumirá mais as rédeas do seu destino e dependerão menos de instituições como Governo, empresa, família. Os membros da chamada Geração Y, aqueles que nasceram a partir de 1978, são mais impacientes, querem sucesso em curto prazo, são mais inquietos, são de certa forma infiéis a marcas, empresas, dogmas. Motivam-se mais por causas que por marcas e são mais fiéis a si próprios e às suas carreiras do que às empresas como foi no passado.

RH - Essa nova geração de líderes causará grande impacto no mercado?

César Souza - Sim, já estão causando grande impacto. Essa geração vai reinventar as empresas, as relações de trabalho de forma muito mais acelerada do que podemos imaginar. Eles representam uma lufada de oxigênio novo em um mundo corporativo obsoleto, fruto de uma herança perversa da Era Industrial, que fragmentou o mundo de trabalho e criou os departamentos, o "cada macaco no seu galho", a especialização, o elevador de serviço diferente do social, o estacionamento da diretoria e o restaurante da chefia, separado da bandeja do chão de fábrica. Isso vai mudar muito quando essa geração chegar ao poder.

RH - O que as empresas cobrarão do "líder no futuro"?

César Souza - Cobrarão se o líder tem uma causa ou apenas cobra tarefas; se o líder forma outros líderes ou apenas seguidores; se surpreendem pelos resultados ou se fazem apenas o combinado; e se inspiram por valores ou apenas pela hierarquia.

RH - Com as mudanças que surgirão no mercado, a presença física do líder será cada vez menos constante?

César Souza - A presença física não é tão importante como era no passado. O bom líder é aquele cuja presença se sente mesmo quando está ausente. O líder competente inspira pelos valores. E isso exige liderar pelo exemplo, mesmo que estejamos distantes.

RH - Os líderes do futuro têm uma forte tendência a usarem mais o empowerment?

César Souza - A única forma de uma empresa se desenvolver é dando mais autonomia e capacidade decisória às pessoas na linha de frente, empoderando as pessoas e descentralizando as empresas. As empresas precisam de líderes em todos os níveis não apenas no topo.

RH - O Sr. gostaria de deixar algum recado para quem já exerce o papel de líder ou pretender tornar-se uma liderança de destaque?

César Souza - O recado é antes de pretender liderar os outros, aprenda a liderar a si mesmo. Por isso, coloquei o titulo do meu livro a pergunta: "Você é o Líder da sua Vida?", pois se não for, procure ser, antes de pretender liderar os outros. É mais difícil liderar a si mesmo que liderar outros. Esse é o enigma da liderança.

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